terça-feira, 30 de agosto de 2011

Práticas Narrativas Coletivas: uma forma de Resgate da Lucidez


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Adriana Müller (25/08/2011)

          Eu sempre me encantei com as histórias de vida das pessoas. Por isso, quando, em 2005, eu ouvi Michael White apresentar sua proposta da Terapia Narrativa logo senti ressonância com a estruturação teórica e a posição que o terapeuta ocupa nas conversações: não mais como o especialista, mas entendendo que a pessoa é quem possui todas as informações necessárias para reescrever sua história de vida de uma forma que lhe seja mais agradável.
          Em 2009 o CRESCENT trouxe para Vitória (ES) o workshop “Reagindo às Dificuldades: Práticas Narrativas Coletivas no Trabalho com Indivíduos, Grupos e Comunidades” ministrado por Cheryl White e David Denborough. Este workshop mostrou para mim a possibilidade das ideias narrativas serem aplicadas a grupos de pessoas. Baseada na Terapia Narrativa, as Práticas Narrativas Coletivas seguem quatro princípios básicos:
1)    A dupla narrativa das histórias: existe a história do problema e a história de como a pessoa respondeu a ele;
2)    A ampliação da história: a pessoa constrói conhecimentos mais amplos e ricamente descritos acerca de si mesmo e de sua história;
3)    O vínculo entre individual e coletivo: as experiências individuais relatadas são conectadas a alguma situação coletiva;
4)    A documentação coletiva: forma de contribuir com a vida de outras pessoas que passam por situações semelhantes.
As experiências são sempre belas e produtivas, pois estimulam as pessoas a voltar seu olhar para os aspectos positivos de suas vidas e compartilhar suas descobertas com outros que podem se beneficiar com estes relatos.
Para facilitar este processo narrativo existem várias metodologias, baseadas em diferentes metáforas: o Time da Vida, a Árvore da Vida, a Pipa da Vida, a Despensa da Vida, os Ritmos da Vida – estes dois últimos, criações brasileiras: o primeiro de Lúcia Helena Abdalla e Ana Luiza Novis (Rio de Janeiro) e o segundo, meu (Adriana Müller). Aos poucos posso compartilhar com vocês algumas aplicações destas metodologias.
Para maiores informações, já traduzimos o livro Práticas Narrativas Coletivas: trabalhando com indivíduos, grupos e comunidades que vivenciaram traumas. Além disso, o CRESCENT pretende oferecer um curso de atualização que inclui estas metodologias.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Doenças e sintomas na compreensão relacional sistêmica *



Doenças e sintomas na compreensão relacional sistêmica *


Solange Maria Rosset

Agosto 2011


Quando temos sintomas, doenças, problemas e dificuldades nos encontramos numa encruzilhada: nos colocamos/sentimos como vítimas ou usamos a situação para futuras aprendizagens e crescimento.
Sistemicamente  o sintoma é visto de uma variedade de ângulos e portanto pode ter várias causas, vários desencadeantes e vários encaminhamentos. Tal conceito significa que nenhum evento ou parte de um comportamento causa outro, e sim, que cada um está ligado de uma maneira circular a muitos outros eventos e partes de comportamentos. Estes eventos e comportamentos formam ao longo do tempo padrões constantes e repetitivos que funcionam para equilibrar a família e permitem que ela evolua de um estágio de desenvolvimento para outro. Todo comportamento, incluindo o sintoma, estabelece e mantém estes padrões.
Na visão relacional sistêmica, quando alguém na família apresenta algum sintoma, acredita-se que é porque a família está precisando, naquele momento aprender algum novo comportamento, fazer alguma remodelação no seu funcionamento, ou mudar comportamentos que, mesmo que tenham sido úteis em outra etapa, agora são disfuncionais.
Embora as origens de um sintoma possam estar enraizadas num evento externo, sua persistência indica que ele esta sendo usado pela família em alguma transação que está  ocorrendo.
A funcionalidade de um sintoma  varia de acordo com as circunstâncias, o tempo e o lugar. O sintoma pode servir a funções diferentes, em épocas diferentes, para conjuntos diferentes de relações.   Estes padrões podem ser funcionais e assintomáticos durante um longo período de tempo. Eles param de ser assim se um dos elementos da família  aumenta ou muda a sua posição.
Na medida que aceitamos que o problema reside na interação afastamos uma explicação linear dos fenômenos, de causa e efeito, e nos aproximamos da noção de circularidade e, assim, da responsabilidade compartilhada nos sintomas  familiares.
A tarefa do terapeuta é identificar o padrão particular que está relacionado ao sintoma e encontrar uma maneira de mudar este padrão particular. Esse olhar ampliado ajudará o sistema familiar a se mover para uma forma mais complexa de organização que permita enfrentar melhor as circunstâncias atuais da família.
Esta forma de ver o sintoma sai dos esteriótipos de que o sintoma é algo que deve ser removido, e a conduta sintomática passa a ser vista como uma pista do que precisa ser reorganizado, revisto ou aprendido.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Acreditando na possível mudança do ser humano, sempre!


TÉCNICA DE PINTURA MONOCROMÁTICA COM PACIENTES EM CUIDADOS ESPECIAIS




"SE VOCÊ TRATAR UM INDIVÍDUO COMO ELE É, ELE PERMANECERÁ COMO É. MAS SE VOCÊ O TRATAR COMO SE FOSSE O QUE DEVERIA SER, ELE SE TRANSFORMARÁ NO QUE DEVERIA E PODERIA SER". (anônimo)

Ultimamente tenho refeltido muito sobre a riqueza e importância do que realmente significa essa frase.
Essas pinturas acima foram feitas com os 
PACIENTES EM CUIDADO ESPECIAL (P.C.E). 
O P.C.E é um grupo que já existe a um tempo na Clínica de Repouso Santa Isabel-E.S e que antigamente tinha outro nome: "Grupo de Crônicos", o grupo se trata de internos que por conta de sua doença mental perderam vínculos familiares e sociais e hoje são quase que moradores do hospital.
O nome "crônicos" sempre me incomodou porque me passava a idéia de algo que já não tinha mais possibilidades de mudança, de já ter chegado no final do túnel, só que sem luz alguma.
O nome foi mudado e já há cinco anos ele funciona como o P.C.E.
Ao contrário do que o antigo grupo de crônicos sugeria, alguns internos após árduo trabalho com as famílias conseguiram voltar para casa e outros ainda permanecem na instituição, mas SEMPRE sendo tratados 
"como se fossem o que deveríam ser", quem sabe um dia eles também "possam se transformar no que deveríam e poderíam ser"?




sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Transtorno de Personalidade Borderline


A frágil fronteira da razão

Portadores do transtorno de personalidade conhecido como borderline são excessivamente impulsivos, intolerantes e não suportam o abandono

Bruno Abbud

Gustavo, de 26 anos, saltou o muro de um estacionamento em São Paulo, entrou no carro e, ao perceber que estava trancado, acelerou na direção do portão. Ele é excessivamente impulsivo. No dia em que a namorada se recusou a dormir em seu apartamento, estilhaçou uma janela de vidro com o punho. Ele é intolerante. Quando terminou outro relacionamento, Gustavo quis se matar. Ele não suporta o abandono. Depois de uma briga com o pai, tentou enforcar-se com uma linha de nylon. Gustavo sofre demais. A soma dessas características indicam que ele é, sobretudo, uma pessoa doente. Diagnosticado no fim de 2010, tem transtorno de personalidade limítrofe, ou, na sigla em inglês, borderline.
Os sintomas indicam que era essa a doença da advogada Giovana Mathias Manzano, de 35 anos, cujo drama foi revelado numa reportagem de VEJA publicada na edição de 13 de julho. Giovana foi encontrada morta em Penápolis, no interior de São Paulo, depois de ter encomendado o próprio assassinato. Sem coragem para cometer suicídio, a advogada contratou um pistoleiro que disparou três tiros contra sua cabeça. Um médico da cidade chegou a classificá-la como portadora do transtorno borderline, mas o diagnóstico não foi unânime entre os especialistas.
Embora o termo borderline (a palavra significa “fronteiriço”) tenha sido cunhado em 1938 pelo psicanalista americano Adolph Stern – ele concluiu que os pacientes portadores de tal transtorno psiquiátrico estavam no limite entre a neurose e a psicose –, foi só na década de 1980 que o diagnóstico da doença se tornou mais preciso. Até então, muitos médicos acreditavam, equivocadamente, que a personalidade de uma pessoa era imutável.
Ao estudar imagens do cérebro e fazer testes em animais, o psiquiatra americano Robert Cloninger provou que a personalidade é a união entre o temperamento e o caráter. “O temperamento é herdado”, explica o psiquiatra Erlei Sassi, coordenador do Ambulatório dos Transtornos de Personalidade e do Impulso do Hospital das Clínicas (leia a entrevista). “Filho de Pittbull tem tudo para ser um pittbulzinho. Já o caráter é relacionado ao aprendizado, é formado pelo ambiente em que a pessoa vive”. De acordo com Sassi, que estuda o transtorno borderline há 15 anos, o conflito entre o temperamento e o caráter pode gerar uma personalidade problemática. É o caso, por exemplo, de uma criança extremamente perfeccionista que cresce em uma família desorganizada. O convívio levaria a uma frustração constante.
A personalidade começa a ser formada entre o fim da adolescência e o começo da idade adulta. “É nesse momento que os primeiros sintomas de um borderline costumam aparecer”, conta Sassi. O comportamento de uma pessoa, informa o psiquiatra, só configura um transtorno a partir do momento em que o indivíduo gera sofrimento para si e para os outros.
Neste ano, Gustavo tentou suicidar-se quatro vezes. Os braços riscados por cicatrizes evidenciam um dos mais aflitivos sintomas da doença: a autoflagelação. Há quatro meses, por volta das 4 horas da madrugada, deitado na cama, o rapaz telefonou para a mãe, que dormia no quarto vizinho. “Desta vez, acho que eu vou”, disse, com voz pastosa. Ela se levantou num pulo e correu para socorrer o filho. A cena assustou. Ele estava prostrado sobre uma poça de sangue. Os pulsos mutilados e as cartelas vazias do ansiolítico alprazolam caracterizavam a quarta e última tentativa de suicidio.
A versão mais recente do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-IV) – o guia das doenças psiquiátricas publicado pela Associação Americana de Psiquiatria –, descreve o transtorno borderline com nove sintomas: esforços desmedidos para evitar um abandono real ou imaginado; relações interpessoais instáveis e intensas; autoimagem instável; impulsividade em excesso; automutilação e tentativas recorrentes de suicídio; mudanças de humor constantes e extremas; sentimentos crônicos de vazio; acessos incontroláveis de raiva sem motivos aparentes; e episódios de paranoia. Os mesmos sintomas são apontados pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10), publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A família - Para familiares, amigos e leigos, o sofrimento que leva um borderliner a tentar se matar é incompreensível. Segundo Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, a automutilação e o suicídio são maneiras que ele encontra para extravasar um sofrimento insuportável. “O boderliner não suporta ficar só”, explica. “Faz qualquer esforço para não ser abandonado e está sempre se queixando de vazio, de uma falta de sentimento de identidade”. Fernanda Martins, psiquiatra e médica-assistente do Ambulatório dos Transtornos de Personalidade do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, conta que a família do borderliner enfrenta uma dor tão terrível quanto a do paciente. 
Desde as últimas crises de Gustavo, qualquer barulho estranho dentro de casa faz com que sua mãe, Tereza, interrompa a respiração involuntariamente. Falta ar. Ela passou a acordar tarde, a deixar compromissos de lado e a fumar. Não dorme enquanto o filho permanece acordado. O som dos passos durante a noite, o ruído acelerado das teclas do computador, o toque característico do celular, tudo que emerge de Gustavo aflige Tereza, que decidiu grudar pequenos folhetos com orações pelas paredes do apartamento. Enquanto assistia ao filme 2012, uma ficção que descreve como seria o apocalipse, um irmão de Gustavo notou que a mãe parecia simpatizar com a ideia do mundo acabar no próximo ano. 
Gustavo passou por uma dezena de psiquiatras e psicólogos até descobrir do que sofria. O diagnóstico de transtorno borderline demorou quatro anos. Hoje, o rapaz se concentra no tratamento com remédios e psicoterapia. Há seis meses, não passa por uma crise.
A Cura - “Os borderliners melhoram com a idade”, afirma o psicanalista Mauro Hegenberg, autor do livro Borderline. Fernanda Martins reforça a tese: “Os sintomas tornam-se mais amenos depois dos 40 anos”, diz. “Mas se o paciente não for tratado, quando chega a essa idade não se casou, não teve filhos, não se formou, não parou em nenhum trabalho. Tem uma vida tão vazia que acaba caindo em depressão”. Com tratamento, é possível – e muito provável – controlar os sintomas até que desapareçam.
Hegenberg observa que o diagnóstico do borderline é complexo. “O psiquiatra que se baseia apenas nos sintomas incluídos no DSM pode errar”, diz. “É comum confundirem a doença com o transtorno bipolar, por exemplo”. Além do diagnóstico difícil, os médicos precisam saber lidar com os pacientes. “É um atendimento que demanda muita energia”, observa Hegenberg. “Você tem que deixar o celular ligado e estar à disposição 24 horas por dia. Já atendi a muitos telefonemas de pacientes que estavam à beira de um suicídio”. Por que decidiu especializar-se num transtorno tão complexo? “O borderliner é muito cativante”, explica Hegenberg. “São pessoas interessantes, inteligentes, cheias de vida e com uma personalidade extremamente sedutora”. 
Leia a matéria na íntegra: